sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Áreas de refúgio para milho Bt

Artigo publicado pelos pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo Simone M. Mendes, Daniela C. Resende, Paulo A. Viana e José M. Waquil originalmente no Portal Dia de Campo.


"A partir da safra de 2008, quando houve a liberação para plantio comercial do milho geneticamente modificado (GM), os produtores de milho do país puderam experimentar a importância da biotecnologia em suas lavouras, ou seja, puderam plantar sementes de milho que expressam proteínas Bt, que têm ação contra as principais pragas da cultura, como a lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda), a broca-do-colmo (Diatraea saccharalis) e a lagarta-da-espiga (Helicoverpa zea). A "novidade" foi bem aceita; prova disso são as estatísticas de safra, que apontam para aumento constante da utilização do milho Bt. No entanto, para manter a eficácia dele, é essencial que o produtor não deixe de semear a área de refúgio, pois é ela que permitirá fazer o manejo da resistência.

O que é, então, área de refúgio e manejo da resistência de insetos? A área de refúgio é a semeadura de um percentual da lavoura de milho Bt utilizando milho não Bt, ou convencional, de igual porte e ciclo, de preferência os respectivos isogênicos do milho Bt. O plantio da área de refúgio faz parte da estratégia de manejo de resistência de insetos-praga, isto é, a adoção de práticas que evitem a seleção de lagartas capazes de causar danos expressivos no milho Bt. Nas lavouras em que se utiliza a tecnologia Bt, ou seja, plantadas com cultivares resistentes às lagartas, é necessário utilizar as seguintes estratégias: a) expressão de alta dose da toxina Bt no híbrido transgênico; e b) utilização da área de refúgio.

Como regido pelos princípios da genética de populações, os genes que produzem vantagem adaptativa às espécies no ambiente tendem a aumentar de frequência na população. A expansão da área cultivada com o milho Bt produz uma vantagem comparativa às lagartas que, por acaso, possuam o gene de resistência às proteínas do Bt, já que apenas estas são capazes de se desenvolver normalmente ao se alimentarem desse milho, tornando-se adultos aptos para reprodução, gerando descendentes semelhantes a eles. Se nenhuma estratégia para o manejo da resistência for adotada, a seleção persistente destes indivíduos resistentes será fatal, pois, se são os únicos a se reproduzirem, estes se tornarão cada vez mais numerosos na população de insetos na lavoura. A seleção dessa nova raça de lagartas resistentes torna a tecnologia Bt ineficiente. Assim, o objetivo da área de refúgio é produzir insetos suscetíveis à toxina Bt, que se tornarão adultos para acasalarem com os eventuais indivíduos resistentes produzidos no milho Bt, o que gerará indivíduos (heterozigotos) susceptíveis à alta dose da proteína, reduzindo a velocidade de seleção de uma raça de insetos resistentes.

Não havendo estímulos à migração, a tendência das mariposas emergidas numa determinada área é permanecer no local. Havendo quebra da resistência do milho Bt às lagartas, o produtor que não utilizar a área de refúgio será o primeiro a sofrer com os prejuízos devido ao uso inadequado da tecnologia. Portanto, é importante que o produtor, além da área de refúgio, faça rotação do seu híbrido, utilizando diferentes eventos na sua área, e, principalmente nas glebas onde já se observou algum dano das lagartas, que ele utilize híbridos de milho expressando mais de uma proteína Bt, evitando o uso do mesmo evento Bt utilizado no ano anterior. É importante alertar os produtores que, ao observarem danos acima dos preconizados pela tecnologia, eles devem utilizar outros métodos de controle (a exemplo do método químico) para evitar a sobrevivência daquela população de insetos na sua área.

O percentual da área da lavoura que deve ser semeado com milho não Bt varia de cinco a dez por cento do total da lavoura, dependendo do tipo de evento transgênico utilizado, por exemplo, se ele expressa uma ou mais proteínas Bt. Para fazer da forma correta, é necessário seguir a recomendação das empresas detentoras dos eventos. Além disso, a área de refúgio deve ser semeada com cultivares de iguais porte e ciclo aos do milho Bt e não deve estar a mais de 800 metros de distância das plantas transgênicas. Isto é muito importante, pois o sincronismo entre o desenvolvimento das plantas Bt com as não Bt permite o surgimento de mariposas (adultos das lagartas) emergidas na área de milho Bt simultaneamente com as emergidas na área de refúgio, o que aumenta as chances de acasalamento entre estes adultos, uma vez que estas mariposas, normalmente, não dispersam por mais de 800 metros. O refúgio estruturado deve ser desenhado de acordo com a área cultivada com o milho Bt. Para glebas com dimensões acima de 800 metros de comprimento, cultivadas com o Bt, serão necessárias faixas de refúgio internas nas respectivas glebas, semeadas simultaneamente.

No Brasil, pouca informação tem sido levantada sobre a adoção de área de refúgio entre os produtores, se esta área realmente tem sido implantada e se está sendo utilizada de forma correta. Para avaliar a adoção da área de refúgio, realizou-se uma pesquisa usando-se um questionário aplicado durante o XI Seminário Nacional de Milho Safrinha, na cidade de Lucas do Rio Verde, MT, e via internet na página da Embrapa Milho e Sorgo.

Responderam à pesquisa, realizada pela Embrapa, cerca de 200 pessoas, dentre profissionais da assistência técnica, extensionistas, profissionais ligados ao agronegócio e, principalmente, produtores rurais que plantam milho. Uma análise preliminar dos dados referentes a esta pesquisa indica que, apesar da predisposição dos produtores em fazer o plantio da área de refúgio, ainda existem muitas dúvidas sobre o modo como esta deve ser feita. Muitos produtores desconhecem, por exemplo, a distância a que a área de refúgio deve estar da área plantada com milho Bt. Além disso, muitos produtores ainda confundem os conceitos de área de refúgio e área de coexistência.

A questão do manejo da resistência de insetos foi também discutida durante o Workshop sobre o Milho Transgênico no Brasil, realizado em março de 2012 na Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas, MG. No painel sobre esse tema, participaram das discussões diferentes profissionais do agronegócio, incluindo as empresas detentoras dos eventos transgênicos, professores universitários, profissionais de assistência técnica, pesquisadores, dentre outros atores envolvidos com o tema, e eles chegaram a conclusões semelhantes.

Assim, as seguintes ações integradas devem ser utilizadas para aumentar a adoção e o uso correto da área de refúgio por parte dos produtores: a) medidas educacionais em todos os canais de distribuição de revenda de sementes; e b) incentivos aos revendedores das sementes de milho transformadas com genes de proteínas Bt, para que conscientizem os consumidores da importância de adotar a área de refúgio.

O principal risco associado à não adoção da área de refúgio é a rápida seleção de indivíduos ou raças das pragas-alvo resistentes às toxinas do Bt. O produtor que está disposto a pagar mais pela tecnologia Bt sabe dos benefícios para o seu sistema de produção. Portanto, ele deve estar consciente de que, para usufruir desse benefício por mais tempo, é necessário utilizar esta tecnologia de maneira consciente, o que implica sua adoção e seu uso de maneira correta, semeando a área de refúgio. Finalmente, reiterando a advertência, deve-se alertar que os primeiros produtores a perderem os benefícios da tecnologia serão aqueles que a usarem de maneira inadequada."

Os eventos aprovados de milho, bem como das demais culturas, pode ser visualizado na página do Conselho de Informações sobre Biotecnologia - CIB.

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